Prefácio - A especialidade do autor é a genealogia e heráldica, de Cujo Instituto já foi seu Presidente. Seus trabalhos nessa área são de grande valia pela dedicação e seriedade na investigação e pesquisa. Surpreende-me agora Adauto Ramos com um opúsculo em poesia. Talvez tenha sido essa a melhor forma de comunicação utilizada para fixar sua vida, desde a infância e a juventude, na cidade de Sobrado, sua terra natal. Poeta telúrico, ele canta o seu chão, revivendo sua infância de menino de Engenho.
Chora suas tristezas, aviva suas incertezas, imaginando o seu futuro e o do seu torrão. São poesias de reminiscências. que fixam coisas da pequena cidade, resgatando a necessidade da feitura da História de Sobrado, no apoio ao movimento em favor da históriografia municipal da Paraíba. Este trabalho tem um significado especial para o Município de Sobrado, pois se trata da primeira publicação literária daquela cidade, tornando-se um marco histórico na bibliografia paraibana. É só conferir. Luiz Hugo Guimarães Estava minha mãe às vésperas de dar à luz, esperava passar o carnaval para ir para a capital onde eu nasceria. Entre tanto na noite da segunda feira de carnaval entrou em trabalho de parto. Foi um corre-corre. Não havia parteira na redondeza, a não ser uma velhinha, moradora do Engenho, que era “curiosa”. Era a única solução. Com a sua ajuda eu nasci. Meu pai estava muito nervoso; na hora de cortar-o-umbigo ele ficou apavorado. Dizia que estava muito curto o corte e que isto ia me prejudicar. D. Chiquinha tentava acalmá-lo: “Tenha paciência Seu Nozinho. Mamãe naquela situação pede para o marido sair do quarto, pois complicava mais do que ajudava.
Assim nasci as seis horas da manhã, do dia 21 de fevereiro de 1938, segunda-feira de carnaval, na primeira Casa Grande do Engenho Cafundó , situado no distrito de Sobrado, que na época pertencia ao Município de Sapé-PB. O Engenho Cafundó foi construído por meu Pai, no ano de 1933, ficando conclui a 4 de abril daquele ano. O Engenho foi desativado no ano de 1964. A.Casa Grande atual foi construída em 1939. Foi ali no Engenho que passei minha infância e hoje a mim pertence .
Casa Grande da minha infância...
Em cada recanto uma lembrança,
No alpendre no final do dia
O crepúsculo nos meus olhos de criança
Na sala, a querosene, o candeeiro
No terreiro uma roseira antiga;
Da passarada o trinado no juazeiro
No quarto, de ninar, da Mãe, uma cantiga.
A chuva no telhado pela noite vai...
O fogão à lenha e sua brasa ardente.
Lembro ainda a cadeira verde do Pai.
Da minha meninice, Oh! Casa Grande...
Dádiva do passado, recordação do presente
É para ti este canto de saudade.
20.08.1987- Cafundó
Neste alpendre da Casa Grande
Parece-me ainda estar
Meu Pai em sua cadeira verde
Ao horizonte poente a mirar
Buscando nas cabeceiras o relampejar
Que traria a chuva esperada
Para a daninha estiagem afastar
Estinguindo-a com uma inverdada.
E alí seus planos traçando
Ao ceu estrelado olhando
A Madrinha preces surgiam.
E viveu aquelas mesmas cenas,
Somente por sua morte interrompida,
Que anos e anos se repetiam.
23.04.1989 - Cafundó
...e o dia amanhecia
Com o passaredo no
Joazeiro a saudar a aurora
Com o urrar do gado
E o leite ao pé da vaca.
Com os bois na almanjarra
Em passos cadenciados
Fazendo girar a moenda
Que espremia a cana.
Com o doce cheiro de mel
Tomando o ar, inesquecível
Com os cajás e mangas
No chão a me esperar
E o dia amanhecia. ..
Para hoje ser só saudades.
15.03.1989- Cafundó
Ah! meu Gurinhém, saudades tenho
Das tuas águas cristalinas a correrem
Sobre meus pés de menino; venho
Hoje para te rever na Passagem.
Volto ao Poço a recordar o banho
Onde a meninada de “galinha gorda”
Brincava, olvidando o trabalho
Na hora de lavar a burricada.
Ah ! meu Rio, como eu gostava
De ti olhar mais longe, além,
Encimado na minha Pitombeira altiva.
E quando o inverno chegava
Tu cheio, barrento... de tua margem
Eu mirava, mas temia tua beleza brava.
20.04.1987- Cafundó
Ao pé da parede rachada
Do cemitério, uma cova aberta
No escaldante chão, esperava
O corpo já tão sofrido
Que há horas a vida deixara.
O vento a poeira levanta
Enquanto o caixão ao solo desce.
Punhados de terra jogados
A despedida dos que ficavam.
Pás de terra o esquife cobre.
Um cruz indica o morto
Flores ao túmulo enfeitam.
Aos poucos solitário fica,
Entre toscas cruzes e flores muchas
O pai que me deu a vida.
02.11.1985
Em tempos idos por estas plagas,
Para morada ergueu-se magestoso
Sobrado; deu nome à terra, ficou famoso
Foi o primeiro em destâncias longas.
O tempo passa... progresso vem,
Tem capela, cresce o povoado
E o altaneiro e belo sobrado
É esquecido, tornado à margem.
Pelos seus filhos olvidado, fica
Em ruinas, desmoronado...
A vila cada vez mais rica
Em ouro, em grãos, em bens.
E hoje? Oh! pobre-rico Sobrado
Será que sabes que origem tens ?
10.06.1987
Este Engenho Cafundó às terras
Suas me prende,qual elo!
Tal as raízes das pitombeiras
Que dependem do seu solo.
Sinto uma tremenda atração
De tornar às suas paragens,
Como se o ar da respiração
Exalasse daquelas pastagens !
Que ima supremo e impetuoso
É este que, ao meu imo tomado ,
Impõe-se, tornando-me carencioso?
E as vezes, à noite, fico a pensar
O que seria-me longe deste climado,
Se tivesse que ao Cafundó renunciar...
13.04.1990
Meus caminhos de menino
Retidos na memória tenho;
Vindo de sapé pelo Junco
Todos levavam ao Engenho.
Se por João Xixí seguia
Por Pedras Altas passava,
Antigo engenho ali havia
Do meu Padrinho lembrava.
Por Sobrado um belo riacho surgia,
Meus pés descalços e de lama sujos
Nas águas claras imergia.
As matas não mais existem agora
Os caminhos, melhorados, são os mesmos,
Porém, sem aquele sabor de outrora.
05.10.1987
O búzio o búzio na noite invernosa ecoava
Ou mesmo durante o dia,
Objetivo de um aviso
Oportuno e que prevenia .
Oriundo de Rio acima
O que aquele som notecia?
Ouvindo-o, então todos sabiam
Ondeante não tarda grande cheia.
O caboclo, à.. margen.. , para
Olhar a “cabeça d'áqua” chegava;
Outros às pressas retira o cavalo
Ou a ovelha que no Gurinhém pastava
Obedecendo a este costume
Originado em tempos remotos
O seu búzio buscando, também
Oferece Rio abaixo seus préstimos .
25.07.1988
Majestosa a beira do Rio,
Do Gurinhém, nas ribanceiras,
Curvando-se ao vento arrelio
A mais belas das pitombeiras.
À sua sombra olhando as águas,
Do sol ardente ela abrigava
O viajante que das estradas
Para o descanso ali parava.
v
Um menino de calças curtas
Do grosso tronco a procurar
Entre as folhas as doces frutas,
Sobe nos galhos para tirar
Continua...
E lá no cimo se escondiam
Belos cachos em galho terno
Onde lá chegar todos temiam,
Não o menino de peso ameno.
E quando lá no alto colhia
Um forte vento o açoitava,
Era gostosa a ventania
Para Sobrado ele olhava.
O tempo passa e um triste dia
Volta o ex-menino lá na ribeira,
Oh! que amargura pelo que via...
Cortada em toros sua Pitombeira
15.07.1985
Vejo sombras negras
encobrindo teu sol
E traços maléficos
riscando o azul do teu céu
Sinto a perca de identidade
ameaçando o teu passado
E pés malditos profanando
teu solo querido
Ah! Cafundó...
o Gurinhém corre em minhas artérias
Meus ossos são partes do teu solo
Teu verde são minhas esperanças
Meus sentimentos vagueiam em teus ares
Sou um pedaço de ti.
05-07-1998
Hoje, tantos tempo passado,
Deste mesmo alpendre
Da Casa Grande querida,
Quando já meus cabelos prateiam,
Relembro saudoso a minha infância.
E grita dentro de mim
Uma insatisfação ferrenha:
Por que cresci, Oh! meu Deus
Oh! meu Deus, pra que cresci...
Melhor seria que o tempo
Para mim ali tivesse parado,
Que minhas últimas visões
Fossem aquelas da bagaceira.
continua...
Que meus derradeiros banhos
Tivessem sido aqueles do Gurinhém
E partido houvesse eu.
Antes da minha Pitombeira.
E grita dentro de mim
Uma agonia voraz:
Por que cresci, Oh! meu Deus
Oh! meu Deus, pra que cresci...
Parece que sinto ainda
O perfume daquela roseira
Que deste alpendre olhava,
Ou o odor do bagaço da cana
Das noites de verão.
continua...
De que serviram-me então ,
Milhares de dias a mais?
Encheram-me de melancolia,
De angústia cortaram-me a alma
E tiraram estrelas do
Meu céu de criança.
E grita dentro de mim
Uma tristeza infinda:
Por que cresci, Oh!
meu Deus Oh! meu Deus, pra que cresci
A todo custo tento
Retroceder aquele passado,
Mantendo de pé estas paredes.
Mas, há um silêncio destruidor.
Continua...
As vozes foram pouco a pouco
Perdendo o eco no tempo,
A do meu Pai marcou o inicio
Deste silêncio que aqui habita.
E grita dentro de mim
Um vazio medonho:
Por que cresci, Oh! meu
Deus Oh! meu Deus, pra que cresci.
E é este silêncio que me tortura
O vento bole com as árvores
Que já adulto plantei,
Mas não afasta este caótico
Silêncio que aqui perdura.
Continua...
Fecho os olhos e revejo,
Aquelas paisagens infantis.
Mas a realidade volta,
Intransigente, imutável.
E grita dentro de mi,
A inaceitação do presente:
Por que cresci, Oh! meu Deus
Oh! meu Deus, pra que cresci...
Cafundó, 23-09-1990
Só um raio
Para iluminar Este meu abismo
O soluço preso Na garganta
Faz rebentar
No peito abafado
A dor do desespero
Um raio de sol
Só um raio...
05.07.1998
“ Oh! Que saudades que tenho
Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais.
Ah! Que saudades...
Da moenda e da almanjarra
Das mil estrelas no céu
Das noturnas farinhadas
Do doce cheiro de mel
Do alambique de cobre,
Das carroças gemendo,
Dos banhos de açude,
Das lamparinas a querosene.
Continua...
Do leite ao pé da vaca
Dos cavalos nas cocheiras
Da coalhada da terrina inglesa
Daquelas noites enluaradas
Ah ! Que saudades
Da rapadura batida
Da fogueira de são João
Do milho assado, da canjica
Do cajá e do pé de limão
Do barracão, do "torreiro"
Da "farofa" que Lêla fazia
Das pamonhas de Mamãe
Do mel de engenho com farinha
Continua...
Dos mergulhos no Gurinhém
Do puxa-puxa quentinho
Da Pitombeira da beira do Rio
Da mangueira de´trás do Engenho
Dos pés descalços nos riachos
Do alpendre da Casa Grande
Do coco-de-roda na baqaceira
Da cachaça quente jorrando
Da biqueira na calçada,
Dos cambiteiros chegando
Da casa de fazer farinha,
Do Rio quase apartando,
Continua...
Ah! Que saudades...
Do meu pé de laranja
Das festas de Sobrado
Do fogão a lenha
Das panelas de barro
Das dormidas de rede
Dos sacos de mandioca-mole
Dos doces de rapadura
Da contadeira de estórias
Do candeeiro de vidro
Da cadeira verde do Pai
Do galope de Simpatia
Dos verdes canaviais
Continua
Do “buzo” avisando cheia
Da cantoria dos sapos
Dos pimentões da horta
Das minhas galinhas peladas
Ah! Que saudades ...
Das visitas dos Compadres
De “Seu” Fabrício, Senhor e Fausto,
Dos passeios a cavalo
Do corte de cabelo de “Seu” Auqusto
Do feijão preto com charque
Do amendoim cozido
Dos montes de bagaço de cana
Do caldo de cana azedo
Continua...
De “Leão”, ”Ligeiro”e “Peixinha”
Do baú de Dona Camila
Dos beijús de coco
Do emalado da rapadura
Dos caixões de guardar farinha
Dos burros comendo milho em “mocó”
Das tapiocas de “Sá” Zefinha
Saudades, saudades do meu Cafundó.
Engenho Cafundó, 14-04-1985
A minha irmã
Angélica é nome suave
Como cântico da Ave-Maria!
Tem a beleza do vôo de uma ave
Sobre o mar quando em calmaria.
R nome também de flor perfumosa
Requinte que enfeita jardins belos:
No buquê, será a mais valiosa,
Da noiva que risonha aos sonhos
Sobe tranquila e feliz ao altar.
Angélica é harmonia, é cor,
e o encanto do orvalho na flor,
Das ondas com a areia do mar,
Do cantar dos pássaros na aurora.
e uma prece pascal de outrora.
10.-09.-1990
Sobrado
Terra do meu nascer
Marco da minha infância
Do meu amanhecer
Cafundó, Lagoa do Padre
Caruçú, Campo Grande
Bonito,Café do Vento ,
Areia, Junco, Ribeiro
Velho chão de longas histórias
De casarões coloniais
De sacrifícios e vitórias
Continua...
Areia Vermelha,Pedras Altas
Anta do Sono,Cordeiro,
Barra Riacho de Serra,
Corredor,Sapucaia, Figueira
Sobrado dos tempos idos
Palco de Peia Onça e
Outros troncos qenealógicos
Dos Honório, Meio, Souza
Dos Braz Pereira, Costa, Felix
Dos Ferreira, Sales, Corrêa Lima
Dos Cunhas, Pessoa, Bernardo
Sobrado da capela de são João
Dos engenhos, do algodão
Dos nossos ancestrais
Dos Marques, Nunes, Carvalho
Dos Querino, Pequeno, Claudino
Dos Meireles, Guedes, Vasconcelos
09.12.1998- Sobrado
Prefácio,.....................................03
Meu torrão..................................05
Casa Grande...............................07
No alpendre................................08
No Enqenho................................09
Meu Rio..................................... 10
Ao Pai....................................... 11
Sobrado.................................... 12
Ima.......................................... 13
Meus caminhos.........................14
O búzio..................................... 15
Minha Pitombeira......................16
Cafundó.................................... 18
Oh! Meu Deus............................ 19
Um raio de sol............................ 22
Oh! Cafundó............................... 23
Angélica..................................... 27
Meu chão................................... 28
índice......................................... 30
869.(813.1) R43m
Meu Torrão./Adauto Ramos.
Sobrado/PB: s,ed.,1998. (Edição do Autor)
30p.
1.LITERATURA PARAIBANA- Poesia
I. Título
Criação do Livro Virtual:
Webdesigner: Arnaldo Félix
afcontato@hotmail.com
www.wvdhost.com.br
FIM